“A dor é uma experiência sensorial e emocional desagradável, decorrente da lesão real ou potencial dos tecidos do organismo. Trata-se de uma manifestação basicamente subjetiva, variando sua apresentação de indivíduo para indivíduo”. (IASP- Assoc. Internacional Estudo da Dor). O componente afetivo-emocional está presente no conceito, devendo, portanto ser valorizado.
Os fatores psicossociais podem ter influência no aparecimento de dor músculo-esquelética em três fases:
- no seu início
- na busca do tratamento
- na cornificação e perda do trabalho
A figura abaixo mostra que a dor crônica é um problema mundial com alta prevalência.
Sua prevalência é maior no sexo feminino e aumenta com a idade.
A dor mais comum é aquela que acomete o sistema músculo-esquelético, conforme podemos observar no gráfico abaixo (Estados Unidos e Reino Unido).
A dor crônica interfere em quase todas as atividades diárias do paciente como trabalhar, exercitar-se, participar de práticas esportivas, dormir adequadamente, cuidar dos filhos e família bem como participar das atividades de lazer. A dor afeta da capacidade para o trabalho e relações interpessoais. 37% sentem-se isolados pela dor e 28% sente que sua família não compreende sua dor ou sua magnitude. A dor crônica também causa um impacto mental: Pacientes sentem-se: mais velhos, deprimidos, pior que sua realidade chegando alguns ao extremo de acreditarem que a morte é a única solução. A fibromialgia é uma das principais causas de dores crônicas.
Fibromialgia:
Se você tem:
- Dor no corpo todo;
- Enxaqueca;
- Irritabilidade;
- Sensação de formigamento em braços e pernas;
- Diagnóstico de “bursite” no corpo todo;
- Uma sacola de exames e todos normais;
- Pense... você pode ser portador de fibromialgia.
A resposta é sim.
As estimativas de prevalência são:
- 0,5-5,0% da população geral;
- 5,0-7,0% nas clínicas médicas;
- 14-20% nas clínicas reumatológicas - 2º ou 3º diagnóstico mais comum em reumatologia;
- Sexo: 70-90% feminino;
- Idade média: 35-55 anos, entretanto pode aparecer em qualquer idade com tendência a aumentar com o envelhecimento;
- Raça: 93% nos caucasianos.
A fibromialgia é uma síndrome dolorosa crônica, não inflamatória, caracterizada pela presença de dor músculo-esquelética difusa, ou seja, dor no corpo todo e múltiplos pontos dolorosos ou "tender points" à palpação.
De acordo com o Colégio Americano de Reumatologia (ACR), os critérios de classificação para a síndrome da fibromialgia, publicados em 1990 são a presença de dor difusa pelo corpo (acima e abaixo da cintura, do lado direito e esquerdo do corpo) por mais de três meses e 11 pontos dolorosos à palpação (de um conjunto de 18 pré-estabelecidos).
Os nove pares de "tender points" utilizados nos critérios de classificação para fibromialgia são:
Suboccipital: na inserção da musculatura subocciptal bilateral;- Cervical baixa: ao nível do ligamento transverso de C5-C6, na altura do 1/3 inferior do músculo esternocleidomastoideo bilateral;
- Trapézio: no ponto médio de sua borda superior bilateral;
- Supraespinhoso: na origem do músculo supraespinhoso, acima da borda medial da escápula bilateral;
- Segunda costela: na segunda junção costo condral bilateral;
- Epicôndilo lateral: 2cm lateral e inferior ao epicôndilo lateral bilateral;
- Glúteo médio: parte média do quadrante súpero-externo do músculo glúteo médio bilateral;
- Grande trocanter: posterior a eminência trocantérica bilateral;
- Joelho: no coxim gorduroso, pouco acima da linha média do joelho.
A dor é o principal sintoma, de intensidade moderada a severa podendo iniciar-se em uma região, particularmente nos ombros e pescoço, tornando-se generalizada depois de um certo tempo. Alem da dor persistente, 90% dos pacientes relatam fadiga inexplicável bem como:
- Distúrbios do sono: 56-86% dos casos caracterizado por um sono não reparador. Freqüentemente os pacientes queixam-se que dormem e acordam cansados;
- Cefaléia de caráter tensional ou do tipo enxaqueca: 44-56% dos casos;
- Disfunção na articulação temporomandibular levando a dor de cabeça e dor fascial: 33% dos casos;
- Sintomas sugestivos de síndrome do cólon irritável (constipação e/ou diarréia): 34-53% dos pacientes, bem como sintomas gástricos como dor abdominal e dificuldade de digestão;
- Síndrome ureteral: os pacientes queixam-se de aumento da freqüência para urinar, na ausência de infecção urinária;
- Fenômeno de Raynaud (mãos pálidas, seguidas por vermelhidão) bem como a sensibilidade ao frio, sensação de parestesias (formigamento) em mãos e pés são comumente relatados;
- Vertigem, edema subjetivo de partes moles (os pacientes frequentemente queixam-se de mãos inchadas), dificuldade de concentração, boca e olho seco, palpitação, sensibilidade a alguns alimentos e medicações;
- Rigidez no corpo, particularmente ao levantar, após períodos de repouso prolongado ou mudanças climáticas;
- 25% dos pacientes apresentam depressão maior no momento do diagnóstico e 50% história de depressão.
Existe algum exame laboratorial que dê o diagnóstico de fibromialgia?
Os exames laboratoriais, em especial, as reações de fase aguda são normais na fibromialgia primária e servem para excluir outras afecções associadas ou que simulam esta doença. O seu diagnóstico é exclusivamente clínico e feito por um médico que conheça esta síndrome.
Quais são as principais síndromes que se associam à fibromialgia?
As síndromes comumente associadas são:
- Síndrome do cólon irritável;
- Sindromes da bexiga irritável;
- Síndrome das pernas inquietas;
- Disautonomia;
- Disfunções cognitivas;
- Tontura;
- Intolerância ao frio.
A presença de outras patologias não exclui o diagnóstico de fibromialgia que aparece associada com lúpus eritematoso Sistêmico, em 22% dos casos, 11% com a síndrome de Sjogren, 7% com osteoartrose e 12% com artrite reumatóide.
O que causa a fibromialgia?
A etiopatogenia da fibromialgia ainda não está completamente esclarecida. Diversos estudos mostram que os sintomas clínicos parecem ser decorrentes de alterações dos mecanismos que modulam a dor presentes no sistema nervoso central em conseqüência da presença de diferentes estímulos nocivos (que causam dor), em indivíduos geneticamente predispostos. A predisposição genética se apóia em trabalhos que demonstraram uma agregação familiar nos pacientes com fibromialgia.
Vários trabalhos permitiram considerar que a fibromialgia, bem como a depressão maior fazem parte do espectro das doenças afetivas. Eles demonstraram que os fatores psicológicos parecem contribuir para suas manifestações clínicas, podendo influenciar nos sistemas de modulação e de percepção da dor. Entretanto é importante salientar que a fibromialgia não é uma condição psiquiátrica primária e por vezes não se observam fatores psicológicos no seu desencadeamento ou evolução. Uma vez que a dor é muscular, vários autores tentaram encontrar uma alteração muscular nestes pacientes. Oito trabalhos estudaram os músculos em repouso e exercício por ressonância nuclear magnética associadas a espectroscopia e a maioria destes, não permitiram demonstrar um defeito global no metabolismo muscular de pacientes portadores de fibromialgia.
O trauma como um fator desencadeante ou causal da fibromialgia é muito importante. Observou que os pacientes que relacionam sua fibromilagia a um trauma são mais incapacitados bem como sua dor é mais intensa naqueles indivíduos depressivos, ansiosos ou naqueles que pleiteiam vantagens com seguros de vida.
Em conclusão, as evidências sugerem alterações modulatórias no sistema nervoso central.
Distúrbios do Sono
O sono não reparador está clinicamente relacionado com a dor músculo-esquelética, sua intensidade e duração.
Sabe-se hoje que o distúrbio do sono caracterizado pela intrusão de ondas alfa, nas ondas delta, descrito originalmente por não é específico da fibromialgia, ocorrendo na minoria dos pacientes. Outros distúrbios da arquitetura do sono estão presentes, e todas relacionadas com alterações bioquímicas de neurotransmissores, como a Serotonina e a substância P.
Anormalidades na Imagem SPECT (single photon emission computed tomography)
Na atualidade existem evidências de que a dor relatada ocorra por alterações no sistema nervoso central o que pode ser demonstrado por meio de técnicas de imagem. A tomografia por emissão de positrons (PET), tem revelado aumento na atividade do giro anterior do cingulo em resposta ao estímulo doloroso. Alguns autores demonstraram que indivíduos caracterizados por baixo limiar de dor, tem um decréscimo no fluxo sanguíneo regional quando comparados a indivíduos sadios na imagem do SPECT, particularmente no tálamo e núcleo caudado (estruturas envolvidas no processamento dos estímulos nociceptivos).
Níveis elevados de substância P no Líquido Céfalo-Raquideano
A Substância P é um importante transmissor químico que leva o impulso doloroso estando a mesma aumentada em três vezes no líquido cefalo-raquideano. Estes achados de aumento dos níveis de substância P está em acordo com a noção da sensibilização central ser o início da patogênese da fibromialgia.
Redução dos níveis de serotonina:
Uma diminuição dos níveis séricos de serotonina e triptofano foi demonstrada nos pacientes portadores de fibromialgia em relação aos controles normais. O triptofano é o precussor sérico da serotonina e seus níveis apresentam uma correlação inversa com a intensidade dos sintomas músculo-esqueléticos na fibromialgia. A diminuição da serotonina sérica foi documentada nestes pacientes. Sendo assim, deficiência de serotonina e o aumento da atividade da subtância P, nestes pacientes, poderiam desencadear os distúrbios do sono, depressão e amplificação dolorosa.
Como devemos tratar a fibromialgia?
O tratamento da fibromialgia até momento é sintomático e tem por objetivo:
- Acreditar e esclarecer o paciente sobre a doença;
- Aumentar a analgesia central e periférica com conseqüente redução dos níveis de dor;
- Melhorar os distúrbios do sono;
- Minimizar os distúrbios de humor;
- Melhorar a qualidade de vida.
- Histórico, antecedentes pessoais, familiares e psicológicos bem como exame físico geral e do aparelho locomotor;
- Educação e conscientização sobre a doença;
- Avaliar a intensidade da dor;
- Avaliar a intensidade da fadiga;
- Avaliar os distúrbios do sono;
- Avaliar as desordens psicológicas;
- Avaliar a intensidade da disautonomia (sensação de tonturas);
- Avaliar o grau do descondicionamento físico;
- Avaliar as disfunções cognitivas como distúrbios de memória e concentração.
O tratamento farmacológico, isoladamente, apresenta resultados frustros e não existe uma "pilula mágica", ou seja, o que funciona para um pode não funcionar para outro, já tendo sido relatados pelo FDA 74 diferentes medicações.
Várias classes de medicamentos podem ser utilizadas para o tratamento da fibromialgia. As principais são:
- Antidepressivos tricíclicos;
- Inibidores seletivos da recaptação da serotoninae/ou noradrenalina;
- Analgésicos opiáceos e não opiáceos;
- Antiepiléticos;
- Miorrelaxantes;
- Antagonistas da 5-HT3;
- Antagonistas do receptor NMDA;
- Ansiolíticos;
- Benzodiazepínicos;
- Outros: Hormônio do crescimento.
Estudos publicados em 2008 com comprimidos derivados da Marijauna vem sendo realizados com resultados promissores. Entretanto mais estudos deverão ser realizados para comprovar esta eficácia.
O tratamento não medicamentoso, de extrema importância pode consistir de:
- Treinamento de aptidão cárdio respiratória;
- Biofeedback
- Hipnoterapia;
- Acupuntura;
- Psicoterapia;
- Terapia cognitiva comportamental.
- Assegurar o paciente sobre o diagnóstico e que se trata de uma doença real e não imaginária;
- Assegurar que não deforma;
- Assegurar que não causa risco de vida;
- Discutir o papel dos distúrbios do sono, inatividade, descondicionamento físico;
- Discutir sobre o espasmo e baixo fluxo sanguíneo muscular, assim, a nescessidade dos exercícios;
- Orientar técnicas de relaxamento;
- Enfatizar o papel ativo do paciente no tratamento.
O tratamento através da reabilitação é fundamental nestes pacientes. Os pacientes devem ser orientados a realizar exercícios de baixo impacto sob orientação médica bem como atividades que melhorem da performance cárdio-respiratória. Temos que melhorar o condicionamento físico destes pacientes, porém de caráter lento e progressivo. Em geral nos deparamos com a seguinte situação:
O médico fala:
- Exercícios são bons para você; você deve exercitar-se; e faça-os já!
O paciente responde:
- Eu não posso exercitar-me; não tenho energia suficiente para isso.
Ambos tem razão...
Os exercícios físicos podem ser benéficos ou maléficos. Se bem feitos, na medida correta trazem grandes benefícios, caso contrário, metade dos pacientes desiste dos programas de exercícios, pois apresentam grande piora da dor e fadiga.
Acupuntura:
Em um trabalho realizado por Dra. Evelin Goldenberg, a acupuntura foi um método coadjuvante eficaz no tratamento da fibromialgia. Vale salietar que acupuntura isoladamente apresenta resultados insatisfatórios.
A terapia cognitivo comportamental é importante em alguns pacientes no qual o estresse emocional é um dos grandes responsáveis em manter o quadro doloroso bem como nos paciente que apresentam uma preocupação excessiva com o problema álgico, as anormalidades físicas são desproporcionais as queixas, quando o comportamento doloroso é resultante de desuso, excesso de defesa ou reforço sistemático do ambiente tem o objetivo de:
- Ajudar o paciente a entender os efeitos de suas crenças, pensamentos e espectativas na dor;
- Enfatizar o papel do paciente em controlar os seus sintomas;
- Ensinar estratégias de controle.
- Estabelecer metas realistas adequadas, encorajando a sua execução;
- Prescrever e estimular a reintrodução gradual de níveis de atividades apropriadas (físicas, lazer, sociais e laborativas);
- Desencorajar as tentativas familiares de reforçar o comportamento atualmente vigente;
- Desenvolver estratégias de enfrentamento;
- Aumentar o sentimento de controle;
- Manter registro de medicação, intensidade da dor, atividade física, tolerância as atividades;
- Reduzir a medicação excessiva.
Não há evidencias científicas que homeopatia, medicina ortomolecular, florais, pirâmides, soros, etc... sejam efetivos no seu tratamento, logo, não devem ser indicados nestes pacientes.
Em resumo:
- Fibromialgia é uma doença real e não imaginária;
- Os tratamentos são efetivos e individualizados;
- Relação médico-paciente é de extrema importância.
Tudo vai ser diferente. Agora que você conhece a fibromialgia pode muito bem escapar das armadilhas que essa doença coloca no seu caminho.
O mais importante é não perder a esperança. Houve um grande avanço nesses últimos quinze anos, desde que a síndrome foi definida pelo Colégio Americano de Reumatologia. As pesquisas científicas aumentaram e permitiram a compreensão de vários mecanismos envolvidos na amplificação dolorosa. Outros estudos em andamento devem apontar mais algumas peças que faltam nesse quebra-cabeças e muito possivelmente indicar outras abordagens terapêuticas ainda mais eficazes, quem sabe até a cura da fibromialgia.
Por hora, saiba que ninguém está condenado a sofrer de dores, cansaço, distúrbios de sono e outros sintomas e que as queixas podem ser controladas com um tratamento bem planejado. Talvez leve alguns meses, mas se for perseverante e paciente, você vai encontrar o alívio desejado.
Então, poderá voltar a participar de atividades de trabalho, social ou de lazer, não arrastado, fazendo um esforço enorme para não decepcionar as outras pessoas, mas por um desejo próprio de viver, aproveitar cada momento e ser feliz.
Estamos torcendo para que esse dia chegue o mais rápido possível, desde que você queira e possa.
Também podemos sugerir a psicoterapia, bem como a terapia cognitiva comportamental.
A acupuntura vem sendo bastante utilizada no tratamento de síndromes dolorosas, levando a diminuição da ansiedade e da dor e mostra bons resultados no tratamento da fibromialgia quando realizada por um médico que conheça com detalhas esta doença.
Outras modalidades que podem ser realizadas incluem a infiltração dos pontos dolorosos, massagem, eletro estimulação transcutânea, técnicas de relaxamento, suporte nutricional.
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