introdução:
Apesar da artrite reumatóide (AR) ser historicamente temida com uma das formas mais agressivas e deformante de reumatismo, pacientes diagnosticados com esta doença nos dias de hoje têm um prognóstico muito mais animador. Avanços recentes no entendimento da doença e a combinação de novos e velhos tratamentos têm tornado possível evitar, ou ao menos frear, o dano articular na grande maioria dos pacientes. Poucas áreas da medicina têm passado por mudanças tão rápidas quanto à reumatologia e, em especial, o tratamento da artrite reumatóide.
Em poucas palavras:
- A AR é a forma mais comum de artrite (inflamação nas articulações) mediada pelo sistema imunológico
- Acomete 1 a 2% da população mundial.
- Afeta mulheres 2,5 vezes mais freqüentemente que homens.
- Pode ocorrer em qualquer idade, mas o pico da incidência acontece entre a 4ª e a 5ª década de vida.
- Na maior parte das vezes os sintomas iniciam-se paulatinamente com fadiga, rigidez ou “ferrugem” nas juntas pela manhã, dor e inflamação nas articulações, semelhante em ambos os lados do corpo, em especial nos punhos, mãos e pés (poupando as articulações mais próximas às pontas dos dedos).
- Se não tratada, na maior parte das vezes a AR evolui para uma doença crônica e progressiva, capaz de levar a deformidades nas articulações.
- O tratamento deve ser realizado por reumatologista e é eficaz em grande parte das vezes.
- Um grande número de novas drogas têm surgido, ascendendo esperanças para os casos mais difíceis.
O que é Artrite reumatóide?
É uma doença crônica que causa dor, rigidez, inchaço e limitação à motilidade e função de múltiplas articulações do sistema esquelético. Apesar de a AR poder acometer virtualmente qualquer articulação do corpo, os punhos e as articulações dos dedos mais próximas das mãos e pés são mais freqüentemente acometidas, e as distais (as mais próximas das pontas dos dedos), muito raramente. A inflamação pode ocorrer em outros órgãos também.
Quais são os sintomas de Artrite Reumatóide?
A AR é uma doença infamatória sistêmica, portanto sintomas gerais como fadiga, febre, perda de peso podem estar presentes antes mesmo das manifestações articulares, apesar de geralmente serem menos proeminentes do que estas. Na maioria das vezes a AR se instala insidiosamente, com dor, inchaço e rigidez das articulações (principalmente as referidas à cima) progressivos ao longo de semanas ou meses. Uma minoria dos pacientes, no entanto, apresentam uma forma abrupta e explosiva de poliartrite (artrite em muitas articulações). Monoartrite (artrite em uma única articulação) é possível na AR inicial, mas outras doenças reumatológicas são prováveis e devem cuidadosamente ser excluidas. Outros pacientes, ainda, apresentam episódios transientes e auto-limitados de monoartrites ou poliartrites, apresentação conhecida como “reumatismo palindrômico”. Metade dos pacientes com reumatismo palindrômico vai desenvolver AR típica com o tempo. Com a progressão da doença, as grandes articulações (tornozelos, joelhos, cotovelos, ombros) são freqüentemente atingidas. O acometimento das articulações têmporo-mandibular (a envolvida na mastigação), esterno-clavicular (no final da clavícula) e espinha é incomum, e se presente tende a acontecer mais tardiamente. O envolvimento de órgãos e tecidos diferentes das articulações também tendem a acontecer em doenças antigas e duradoras. Ele consiste principalmente em nódulos firmes e indolores surgindo geralmente em cotovelos, tendão de Aquiles e dedos (nódulos reumatóides); falta de ar e/ou dor à respiração por inflamação do pulmão e/ou pleura (membrana que envolve o pulmão); dor e vermelhidão em esclera dos olhos (esclerite); boca e olhos secos (síndrome de Sjoegren secundária). Outras manifestações extra-articulares são possíveis mas ainda mais raras.
O que causa Artrite Reumatóide?
A AR é uma doença “autoimune”. O sistema imune é desenhado para proteger-nos de bactérias, vírus, câncer e outros agressores. Nas doenças autoimunes o sistema imune identifica e ataca partes do nosso corpo como faz com patógenos. Não se entende completamente o que causa ou perpetua esta “auto-agressão”, mas ela é atribuída a uma combinação de tendências pessoais (genética, hormônios) com fatores ambientais (tabaco, vírus, bactérias). Estudos PRELIMINARES apontam que a inflamação constante e/ou recidivante da gengiva, causada por uma higiene bucal insuficiente, elevaria o risco de desenvolver AR.
Quem vai desenvolver Artrite Reumatóide?
Mulheres desenvolvem AR 2,5 vezes mais freqüentemente que homens. A doença pode acontecer em qualquer idade, mas o pico de incidência acontece entre a 4ª e 5ª década. Indivíduos com parentes de 1º grau com AR têm chance 1,5 vezes maior que a população em geral de desenvolver a doença. Quando a AR acomete indivíduos que possuem irmãos gêmeos idênticos (com exatamente os mesmos genes) o outro também é acometido em 12 a 15% das vezes, o que sugere influência genética (mas não exclusiva).
Como Artrite Reumatóide é diagnosticada?
É relativamente recente a disponibilidade da pesquisa de anticorpos contra peptídeos cíclicos citrulinados (anti-CCP) em laboratórios comuns. A presença deste marcador no sangue de um indivíduo com sintomas compatíveis permite o diagnóstico de AR com cerca de 90 a 96% de certeza. No entanto, de 24 a 53% dos indivíduos que têm AR nunca vão apresentar este anticorpo. Nos casos iniciais esta proporção pode ser ainda maior. Nestes casos o reumatologista tem que se basear no quadro clínico e em marcadores menos específicos para diagnosticar a doença e diferenciá-la de outras com início muito semelhante. Portanto o diagnóstico pode não ser fácil ou imediato, e semanas ou até meses de observação e um grande número de exames não são raros até se ter a certeza do diagnóstico. Outros exames que auxiliam no diagnóstico são fator reumatóide (menos específico e sensível que o anti-CCP), provas inflamatórias, exames (relativamente) específicos para doenças a serem excluídas, exames de imagem. Dentre os exames de imagem, a ultrassonografia e a ressonância magnética são de grande ajuda por diferenciar precocemente artrites capazes de erodir as articulações (sugestivo de AR) de artrites não erosivas (sugestivo de outras causas). O raio-x é importante mas vai ser alterado bem mais tardiamente que nestes 2 exames.
Como a Artrite Reumatóide é tratada?
Atualmente a maioria dos reumatologistas concordam que quanto antes a doença for controlada maiores as chances do paciente ficar livre de sintomas, e da doença. Seguindo esta idéia a tendência atual é introduzir, assim que o diagnóstico é firmado, doses efetivas da combinação de diversas drogas com ação sobre o sistema imune, e sobre a inflamação. Nenhuma destas medicações é livre de possíveis efeitos colaterais, mas são geralmente bem toleradas e com uma relação custo/benefício bastante favoráveis. Algumas das medicações mais tradicionais para a AR não são mais disponíveis no Brasil (p.e. sais de ouro), outras são menos usadas, por uma pior relação custo/benefício para esta doença (sulfas, ciclosporina, Azatioprina), mas outras ainda são centrais no tratamento da AR (metotrexate, cloroquina). O leflunomide é uma droga mais recente e bastante útil, com eficácia semelhante ao Metotrexate. As cortisonas (corticoesteróides) são usadas na AR há muitas décadas. Passada a euforia inicial, descobriu-se que apesar de elas terem um impacto importante na inflamação e nos sintomas dos pacientes, sua habilidade em efetivamente parar a doença é pequena, se existente. Em combinação com as chamadas “drogas modificadoras de doença”, no entanto, ela mantém seu papel. Antinflamatórios comuns não têm efeito modificador de doença, mas podem aliviar os sintomas e poupar doses maiores de corticóides.
Nas últimas décadas o desenvolvimento da biotecnologia permitiu um salto exponencial no nível de conhecimento acumulado sobre o funcionamento do sistema imunológico. A conseqüência natural disso foi o desenvolvimento de drogas capazes de agir diretamente sobre os aspectos “fora da ordem” em muitas das doenças autoimunes. Nasciam os medicamentos “biológicos” (para saber mais clique aqui). No Brasil existem atualmente 5 biológicos aprovados pela ANVISA para uso na AR (Infliximabe, adalimumabe, etanercept, rituximabe, Abatacepte), mas esta lista tende a crescer rapidamente. São medicações potentes, que muitas vezes têm ação mesmo em indivíduos que deixaram de responder às medicações convencionais. Por outro lado até um terço dos pacientes (segundo a Arthitis Foundation, nos EUA) não respondem ou deixam de responder também às novas medicações, e o efeito destas medicações sobre o sistema imunológico podem trazer efeitos colaterais, como maior propensão a infecções e câncer. O custo é outro limitante. Algumas destas substancias podem custar cerca de R$15.000,00 mensais, e seriam utilizadas por tempo indeterminado. Certamente estas dificuldades limitam, mas estão longe de inviabilizar o uso dos biológicos. O custo tende a cair com o aperfeiçoamento das técnicas de produção e com a concorrência entre as companhias farmacêuticas, e aos poucos vamos descobrindo as doses, as combinações e o “timing” para cada uma destas drogas, em cada doença. Hoje já é impensável fazer reumatologia sem os novos biológicos, e certamente o futuro trará ainda melhores surpresas. Mas por enquanto estas substâncias são indicadas para casos e pacientes específicos, geralmente após falha da terapia convencional, ou em atrites iniciais agressivas.
Outras modalidades de tratamento
Informação – Buscar informação é essencialmente uma boa coisa: o paciente orientado e engajado ativamente no seu processo de cura tem claramente melhor prognóstico. No entanto, a busca não assessorada de informações, sobre tudo na Internet, pode trazer uma impressão sobre esta condição mais negra do que a realidade. Ou pior, pode trazer uma impressão mais leve do que a real, e estimular negligencias, abandonos do tratamento ou opções (tentadoras) de terapias alternativas sem embasamento científico. Procure informações em sites e organizações confiáveis (sugestões a baixo) e discuta suas impressões com seu reumatologista. Utilize medicações não convencionais apenas com a aprovação do seu médico, e sem deixar de usar as medicações prescrias!
Psicoterapia – É comum, e de alguma forma esperado, que o advento de uma doença crônica e potencialmente deformante cause angústia, ansiedade e até depressão. A psicoterapia pode ajudar o paciente a elaborar as perdas, reorganizar sua vida e readaptar as perspectivas. Há evidências de que a psicoterapia seja capaz de diminuir a autopiedade, inibir posturas passivas diante da doença e do processo de cura e diminuir a percepção da dor. O sistema imunológico, assim como o neuro-endócrino e os demais sistemas do corpo humano, está sob influência do sistema neuro-psiquiátrico. É possível, portanto, que o benefício da psicoterapia vá além do psicológico.
Descanso – Durante os períodos de inflamação (sistêmica ou localizada) a execução das atividades normais pode ser difícil. Durante estes períodos repouso é fundamental, e pode ser alternado com exercícios adequados.
Exercícios – Dor e rigidez freqüentemente levam a pacientes a evitar exercícios. A falta do uso pode resultar em perda da motilidade, contraturas e atrofia muscular, causando aumento da fadifa, além de instabilidade articular e maiores deformidades. Exercícios visando a ampliação da motilidade ajudam a restaurar a função de um membro. Exercícios de fortalecimento muscular (isométricos, isotônicos e isocinéticos), realizados 1 a 2 vezes por semana, melhora a função e não pioram a atividade articular. Exercícios aeróbicos melhoram a função muscular, melhoram o controle da dor possivelmente previnem osteoporose induzida pelo corticoide e não pioram a atividade da doença. Programa de exercícios devem ser prescrito por médicos e fisioterapeutas e devem ser direcionados individualmente para cada paciente.
Fisioterapia – Os objetivos da fisioterapia na AR são a redução da dor e inflamação e a preservação da função e integridade articular. A fisioterapia envolve diversas modalidades de tratamentos direcionadas a problemas específicos. Isso exclui: calor ou frio para o alívio da rigidez e inflamação; ultrassonografia para atenuar tenosinovites; exercícios ativos e passivos para melhorar e manter o alcance da motilidade das articulações; descanso e talas para reduzir dor e melhorar função; técnicas de relaxamento para diminuir espasmo de musculatura.
Terapia ocupacional – foca na adaptação dos membros afetados (especialmente os superiores) às atividades do dia-a-dia, incluindo: educação sobre proteção articular; provisão de artefatos auxiliares e talas e orientações referentes ao seu uso.
Alimentação – Muitas dietas foram propostas para a AR, mas a maioria não mostrou benefícios em estudos controlados. Possível exceções são as dietas ricas em óleos de peixe e as dietas ricas em ácido eicosapentaenóico ou docosahexaenóico, que parecem diminuir sintomas. Pacientes obesos devem ser encorajados a perder peso, no intúito de diminuir a sobrecarga sobre as articulações.
Prevenção de osteoporose – A AR por si é um fator de risco para osteoporose, em função da inflamação crônica. Adicionalmente, a AR ocorre mais freqüentemente em mulheres na 4ª ou 5ª década de vida, população em especial risco para o início do problema. O corticóide, quase sempre utilizado na doença, é outro fator de risco importante para a osteoporose. Desta forma uma abordagem farmacêutica (cálcio, vitamina D e outros remédios) e não farmacêutica (exercícios, prevenção de quedas) deve ser instituída o quanto antes.
Prevenção de doença cardíaca e vascular – A doença cárdio-vascular é a principal causa de morte entre os pacientes com AR. A inflamação crônica, bem como o uso contínuo de corticóide, são potentes fatores de risco para ateriosclerose e suas conseqüências. A prevenção do problema passa pelo controle precoce e efetivo da inflamação, pelo controle agressivo do colesterol, abolição do tabagismo e de outros fatores de risco modificáveis.
Vacinações – pacientes recebendo drogas imunossupressoras NÃO devem receber vacinas com vírus vivos. As demais são apropriadas e importantes. A seguinte recomendação foi incluída nas diretrizes de 2008 do colégio americano de reumatologia: a vacina da gripe (anualmente) e a contra o Pneumococcus (esta a cada 5 anos) devem ser dada para todos os pacientes que estão usando ou usarão imunossupressores; a vacina contra hepatite B deve ser dada a todos os pacientes com AR e risco de contrair este vírus (múltiplos parceiros sexuais nos últimos 6 meses, contato com portadores do vírus, usuários de drogas endovenosas, trabalhadores na área da saúde), se possível antes da introdução das drogas imunossupressoras.
Vivendo com Artrite Reumatóide
Mesmo com os avanços recentes em seu tratamento, e com a possibilidade do controle da doença ou cura, a AR é uma doença crônica, potencialmente deformante, que interrompe a vida normal do indivíduo obrigando-o a uma rotina de freqüentes exames, visitas ao médico, efeitos colaterais de medicações, sintomas e seqüelas. A incerteza sobre seu curso, falhas no tratamento e os hormônios da inflamação colaboram para raiva, frustração, depressão, perda da esperança e da vontade de lutar. A melhor maneira de controlar a AR é:
- Confiar e manter uma boa relação com o médico
- Manter uma sólida relação com familiares e amigos
- Tomar regular e eficientemente as medicações como prescritas
- Visitar o médico e fazer exames regularmente, mesmo se não estiver se sentindo doente.
- Não ter uma postura passiva. Se envolver diretamente no processo de cura.
- Um acompanhamento psicoterápico é bastante recomendado e ajuda na aceitação dos limites impostos pela doença, bem como na reorganização da vida com sua presença.
- Manter-se ativo física-emocional e profissionalmente. Evitar, no entanto, exercícios não monitorados por profissionais da área.
Pontos a lembrar
Os tratamentos agora disponíveis têm dramaticamente melhorado os o quadro clínico dos pacientes com AR. A maioria das pessoas com pode viver vida normal, mas a doença deve ser cuidadosamente monitorada e o tratamento ajustado como necessário para prevenir seqüelas. Confiar no reumatologista e se envolver na busca da cura é fundamental na definição do curso da doença.
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